Estilo ofensivo e despedidas polêmicas marcam carreira de Paulo Sousa; veja trabalhos do técnico

Volante Otávio, que trabalhou com treinador no Bordeaux, aposta no sucesso do português no Brasil; jornalistas poloneses criticam saída conturbada da seleção

Paulo Sousa em jogo da seleção da Polônia pelas Eliminatórias da Copa ?- Foto: AFP

Paulo Sousa em jogo da seleção da Polônia pelas Eliminatórias da Copa ?- Foto: AFP

Paulo Sousa assumiu a seleção da Polônia em janeiro. Pouco menos de um ano depois, o novo técnico do Flamengo vai embora sem deixar saudade. A eliminação na primeira fase da Eurocopa é o principal motivo de insatisfação dos poloneses.

A redenção poderia vir com a classificação para a Copa do Mundo do Catar, mas o treinador português encerra seu trabalho à frente da Polônia três meses antes do jogo contra a Rússia, o primeiro da repescagem das Eliminatórias da Europa, sem conseguir imprimir sua marca ao time liderado em campo pelo artilheiro Lewandowski.

Mesmo assim, quem já trabalhou com Paulo Sousa acredita que ele tem condições de repetir no futebol brasileiro o sucesso dos conterrâneos Jorge Jesus, no próprio Flamengo, e Abel Ferreira, no Palmeiras. O volante brasileiro Otávio, revelado pelo Athletico-PR e atualmente no Bordeaux, trabalhou com Sousa no time francês entre 2019 e 2020 e destacou uma característica que lembra o estilo implantado por JJ no time rubro-negro: valorização da posse de bola e pressão intensa para recuperá-la.

- Ele procurava sempre estar com a bola, sair criando a jogada lá de trás e, quando perder a bola, naqueles cinco primeiros segundos, fazer o abafa para recuperar, não importa em que setor do campo. Quando ele passou aqui, em 2019, o Bordeaux foi uma das equipes que mais tiveram a bola no campeonato - contou Otávio em entrevista ao jornalista Fernando Becker.

- Falei para ele que, se for para o Brasil implantar sua filosofia de trabalho, tenho certeza de que vai ter sucesso - completou Otávio.

O jornalista português João Nunes, da TV RTP, observou em depoimento ao ge que o estilo de Paulo Sousa não é tão semelhante ao de Jorge Jesus. Ainda assim, ele vê com bons olhos a contratação do treinador.

- Paulo Sousa é um treinador que tem um perfil bastante diferente daquele que os dirigentes do Flamengo vieram em princípio à procura. Não tem, desse ponto de vista, muitas semelhanças com Jorge Jesus - opinou João Nunes, destacando a sequência de treinadores portugueses no futebol brasileiro.

- Eu diria que será interessante ver Paulo Sousa no Rio de Janeiro. Ele é um treinador que consegue muito agarrar pelo discurso, essa capacidade que tem no discurso não tão aguerrido mas um discurso forte, colocado, no ponto certo, poderá ser importante também para chegar aos jogadores. Acho que é uma boa aposta do Flamengo, uma boa aposta para o futebol brasileiro, porque já se percebeu que o trabalho dos treinadores portugueses tem de fato qualidade.

Com Sousa, Polônia só venceu Albânia, Andorra e San Marino

Ainda em busca de um trabalho vencedor em um grande centro, o ex-meio-campista Paulo Sousa, de 51 anos, tem histórico recente de saídas polêmicas. Na Polônia, o acerto prévio com o Flamengo, antes de negociar a rescisão contratual com a seleção, desagradou ao presidente da Federação Polonesa de Futebol, Cezary Kulesza, e também a jornalistas locais.

- A única surpresa para mim é que o Flamengo está sendo enganado. O resto era esperado - afirmou nas redes sociais o diretor do canal +Sport, Michal Kolodziejczyk, criticando a postura de Sousa.

Em 15 jogos com a seleção polonesa, Sousa teve apenas seis vitórias, todas contra seleções de nível baixíssimo na Europa: Albânia, Andorra e San Marino (dois triunfos sobre cada uma). De resto, foram cinco empates e quatro derrotas. Na Eurocopa, perdeu para Eslováquia e Suécia, empatou com a Espanha e foi embora em último lugar no Grupo E.

Com Albânia, Andorra e San Marino entre os adversários, a Polônia terminou em segundo lugar no Grupo I das Eliminatórias da Copa, com 20 pontos, dois à frente da surpreendente Albânia e três a mais que a Hungria - a Inglaterra foi a primeira colocada e se classificou diretamente para o Mundial de 2022. No dia 24 de março, a Polônia jogará contra a Rússia e, se vencer, disputará uma vaga na Copa no dia 29, contra o ganhador de Suécia x República Tcheca.

Apenas dois trabalhos com mais de 60% de vitórias

Ex-auxiliar de Carlos Queiroz na seleção portuguesa, Paulo Sousa iniciou a carreira em 2008, com três trabalhos seguidos na segunda divisão inglesa, sem destaque: Queens Park Rangers, Swansea e Leicester. Os primeiros títulos de Sousa como treinador foram conquistados no Videoton: campeão da Taça da Liga Húngara em 2011/12 e bicampeão da Supercopa da Hungria, em 2011 e 2012.

Em 13 anos de carreira, só em duas ocasiões obteve aproveitamento de vitórias superior a 60%: no Maccabi Tel Aviv (63% de triunfos e o título de campeão israelense em 2013/14) e Basel (62% e campeão suíço na temporada seguinte). Bem abaixo, por exemplo, dos 75% que Jorge Jesus conseguiu em 57 jogos à frente do Flamengo.

Na Fiorentina de 2015 a 2017, Paulo Sousa fez seu principal trabalho num grande centro europeu, principalmente na primeira temporada, quando o time terminou em quinto lugar no Italiano, com atuações ofensivas de encher os olhos.

- Olhando para aquilo que tem sido o trabalho de Paulo Sousa aos longos dos últimos anos, eu destacaria a presença dele na Fiorentina, conseguiu de fato jogar um futebol muito atrativo. Depois dessa passagem na Fiorentina pensou-se até que Paulo Sousa poderia dar um salto maior para um clube de outra dimensão, mas isso acabou por não acontecer - relembrou o jornalista português João Nunes.

O treinador deixou o futebol italiano para dirigir o Tianjin Quanjian, nono colocado no Campeonato Chinês de 2018, tendo em Alexandre Pato o principal goleador da equipe. Fora de campo, seus dois últimos trabalhos, no Bordeaux e na seleção polonesa, terminaram de forma nada amigável.

"Ele pediu peças pontuais, o clube não deu e ele foi embora"

A passagem pelo Bordeaux durou um ano e cinco meses e acabou com o técnico português em rota de colisão com os dirigentes, principalmente com o então presidente do clube, Frédéric Longuépée. Paulo Sousa reclamou publicamente da falta de reforços prometidos, e a diretoria ficou insatisfeita. Depois de meses de guerra fria, Paulo Sousa exigiu o pagamento da multa rescisória ao deixar o clube, em agosto de 2020.

- Aqui no Bordeaux ele não tinha um elenco com peças diferenciadíssimas. Tinha um elenco bom, e uma das coisas que fizeram ele ir embora é que ele pediu umas peças pontuais, o clube não deu e ele resolveu ir embora - lembra Otávio


Otávio, volante brasileiro do Bordeaux — Foto: PASCAL GUYOT / AFP

Apesar da saída conturbada e do 12º lugar no Campeonato Francês de 2019/20, Otávio guarda boas lembranças do trabalho de Sousa.

- Para mim, trabalhar com o Paulo foi uma das fases da minha carreira em que eu mais evoluí dentro de campo. Ele é um técnico que te tira da zona de conforto, o tempo inteiro cobrando, ativo, um técnico muito competitivo - comenta o volante.

Jornalistas poloneses criticam treinador

Agora, Sousa deixa a seleção polonesa a três meses da disputa da vaga para a Copa, com diversas críticas ao seu trabalho. O jornalista Sebastian Staszewski, por exemplo, destaca uma reclamação comum dos torcedores: o distanciamento entre treinador e país. O português não morou na Polônia e preferiu ter uma comissão técnica toda formada por pessoas de sua confiança - que agora seguirão com ele para o Flamengo. Staszewski acredita que a federação local leva a culpa pelo distanciamento.

- Deu consentimento para ele morar no exterior, consentimento para a falta de poloneses na comissão técnica. Na verdade, consentimento para a falta de tudo que poderia ligar Sousa à Polônia - comentou.

Outra crítica comum dizia respeito ao fato de Paulo Sousa poupar jogadores importantes em alguns jogos das Eliminatórias. O jornalista Maciel Iwanski, da TVP Sport, acredita que os erros do treinador foram decisivos para a campanha ruim na Euro.